Nestas curtas férias por
Espanha, tomei conhecimento de um pequeno texto do poeta Ramon Campoamor onde
refere
"En este mundo traidor
nada és verdad ni es mentira,
tudo és segun el color
del
cristal con que se mira"
Esta é uma forma subtil e poética de dizer
"a cada um sua verdade".
Mas se cada um pode assumir como verdade o que resulta da forma como
vê e interpreta a realidade, esta, no entanto, é momentaneamente
imodificável enquanto não sujeita a interpretações de cada um.
Em absoluto, as coisas são o que são, o que não significa que não possa mudar.
No entanto, a verdade de cada um nem sempre resulta da forma como se vê e
interpreta a realidade, mas da forma como se quer ver e interpretar.
O que todos temos que apreender é a ver de forma não emotiva; a ver por
várias janelas, com vidraças de cristais diferentes.
Se eu olhar através da minha janela, numa manhã chuvosa com
gotículas na minha vidraça, a realidade que vejo é significativamente
diferente se olhar pela mesma janela numa manhã soalheira.
Por isso, para ver tenho que limpar a vidraça e contemplar apenas sem
interpretações.
Mas o olhar pela mesma vidraça por diferentes pessoas é distinto entre elas,
pois vêm coisas diferentes condicionadas pelas emoções, as vivências, os
valores, os interesses de cada um.
Coisa diferente é a distorção consciente e querida da realidade, da
verdade por diversas razões relacionadas com o observador, o que
é diferente de cada um ter a sua verdade.
Neste caso eu conheço a verdade e conscientemente a nego e a
interpreto de maneira diferente.
Por vezes negamos a verdade por incapacidade de a enfrentar.
Custa-nos conhecer e assumir a verdade, por a mesma nos fazer
confrontar com o desagradável ou nos colocar em
situação desfavorável aos nossos interesses.
Outras vezes negamos a verdade por incapacidade para a mudar segundo os valores
e
princípios que defendemos. Então, desviamos as atenções e fingimos uma
realidade diferente, por forma a não sermos confrontados com a
verdade.
Finalmente ignoramos a verdade por manifesta conveniência.
Daqui resulta o aforismo "a cada um sua verdade" Mas quando esta
"verdade" resulta
de interpretações conscientemente distorcidas ou da criação
ficcionista da verdade, não estamos perante uma discussão entre a verdade e a
mentir, mas do diálogo entre um homem verdadeiro e um mentiroso.
A realidade criada pelo mentiroso mais cedo ou mais tarde não será credível e
com ela se identifica o mentiroso.
Por isso, "En este mundo traidor", como diz o
poeta, dizer a verdade pode ser um ato
revolucionário.
valdemar cabral